sexta-feira, 29 de outubro de 2010

As cozinhas saloias, eram lugares multifacetados

MUSEU ETNOGRÁFICO DE TERCENA
Visite o Museu Etnográfico de Tercena aberto todos os dias das 10 às 22 horas na Quinta do Filinto em Tercena, mas lendo os nossos artigos, poderá ter uma ideia aproximada de como ele é.
De quinze em quinze dias sai um artigo "REGISTOS DO MUSEU" que lhe fornece elementos preciosos sobre a visita

VIII CAPÍTULO

"AS COZINHAS SALOIAS"

As cozinhas saloias estavam preparadas para tudo, pois em algumas, nas prateleiras encontravam-se os grandes panelões, muitos vindos dos tempos de pais, avós ou sogros e raramente serviam, a não ser nos dias festivos, que, dada as carências da vida naquele tempo, pouco eram utilizados.
O Museu criou igualmente a sua cozinha, e nela muitas coisas lhe faltam, no entanto o velho fogão a lenha era uma mais valia, pois para tudo servia, inclusivamente para aquecer a casa no período de Inverno, naqueles dias onde o frio era de rachar.
Havia também sempre uma vasta colecção de cestos, com que a dona de casa se servia para ir às compras, ao quintal apanhar legumes, ou ainda para se deslocar aos campos em busca de ervas para alimentar os seus coelhos, patos, ou galinhas que criava.
Também estava lá o cesto que portava o milho que alimentava os seus galináceos.
Na cozinha as louças não eram abundantes, já que as famílias mais carenciadas, concentrava apenas o indispensável, dependurado na grade de madeira, tanta vez construída pelo marido, onde se arrumavam pratos, panelas e tachos com que cozinhavam os seus alimentos.
A um canto, guardava-se a lenha que no Inverno teria sempre de estar seca, porque depois de apanhada nos campos, era transportada para um telheiro que sempre existia no pátio e aos poucos arrumada dentro de casa, a fim de enxugar para que não produzisse fumo quando fosse queimada.
Numa prateleira mais ao lado, arredada do fogão estava sempre a telefonia, que, por norma era ligada nas horas de menos movimento, para ouvir o noticiário, ou então à tarde para, atentamente, acompanhar a novela que sempre era transmitida dos estúdios da Emissora Nacional, ou do Rádio Clube Português.
As novelas eram nesse tempo muito apreciadas tal qual hoje, mas através da televisão, o que não havia nesse tempo, pois só a partir de 1957 ela apareceu em Portugal e mesmo assim longe de entrar em todos os lares portugueses, pois nem todos reuniam condições financeiras para adquirirem um aparelho embora houvesse muita vontade disso.
Aqui e acolá figurava sempre um retrato de família, por norma dos filhos, que alimentava o amor da família, cada vez que a mulher o mirava.
Recordava-se sempre dele, pois, ou encontrava-se na escola ou a trabalhar com o pai no campo, só que a maioria dos homens desse tempo, trabalhava, na Fábrica da Pólvora e para o campo só em alternativa, pois existiam ao redor da localidade, muitos casais que por vezes admitiam trabalhadores para os seus serviços.
Em Tercena a grande maioria das pessoas trabalhava na Fábrica da Pólvora e como o marido vinha almoçar a casa, quando ela escutava a sineta da fábrica tocar, tirava o comer da panela, para arrefecer e quando o marido chegava a casa ele já estar em condições de ser comido, porque o tempo era curto e uma só hora para a refeição passava depressa, porque só no caminho levava ele de ida e volta vinte minutos.
A mesa de cozinha era tosca, por norma herdada dos pais ou sogros e as cadeiras, eram guardadas para a sala de dentro, já que na cozinha as pessoas sentavam-se em bancos de madeira, já que em alguns lares era utilizado um único banco corrido, que dava por norma para duas ou três pessoas.
As famílias remediadas serviam-se de todos os seus móveis durante muito tempo, porque não havia dinheiro para os trocar, pois ele era quase na totalidade gasto com a alimentação.
Mais ao lado existia sempre um aparador onde se guardavam as canecas, alguns pratos mais especiais, meia dúzia de talheres e os copos de vidro, e na tosca bancada ao lado da chaminé, estava sempre a talha onde armazenava a água que o marido à tarde, depois do trabalho acartava em bilhas de barro ou de zinco, do chafariz.
Os utensílios mais valiosos e de estimação, quase sempre prendas que tinham sido ofertadas aquando ocorrera o casamento, eram guardados num outro móvel que se encontrava na sala, que servia de casa de jantar para dias festivos e local onde a mulher laborava as suas costuras.
A mulher nas suas horas livres, quando acabava a faina da cozinha, entretinha-se a costurar, por norma a remendar a roupa de trabalho do marido, ou do filho, pois era ela que quase sempre se encarregava desses domésticos serviços.
O chão era de cimento, mas andava sempre muito limpo, pois só as casas de gente mais remediada possuíam mosaicos, mas isso era raro se encontrar por serem adornos muito caros na época.
No tecto existia sempre uma simples lâmpada, mas só nas localidades onde já havia electricidade, o que acontecia em Torcena, nas primeiras décadas do século passado, mas existiam outros lugares da freguesia e terras de outros concelhos vizinhos, onde a luz só apareceu muitos anos depois.
Tercena teve electricidade no domicílio muito cedo e isso foi uma mais valia, pois a vida era outra e os serões duravam até mais tarde, porque os lares que possuíam candeeiros, esses eram apagados bem cedo, porque o petróleo escasseava e era preciso poupar.
Por isso a cozinha portuguesa da gente pobre, ou remediada era diferente das outras pessoas que já possuíam outro nível de vida, mas imperava, a limpeza, e em todas elas não podia faltar o barril da água-pé, que o marido fazia questão pelo S. Martinho ofertar aos amigos, já que no quintal havia sempre espaço para se manter umas parreiras, que para além de sombra que proporcionavam no Verão, davam esse precioso néctar que foi sempre muito apreciado em Tercena.
Na cozinha tudo se fazia, servindo até para receber as vizinhas, que durante o dia, aquelas que se mantinham em casa, devido aos muitos filhos que possuíam, procuravam aquele lar, apresentando como pretexto, o pedido de alguma coisa que lhe faltasse, por empréstimo, para darem um “pouco à língua”, expressão que ainda hoje perdura por todo o lado, para o mulherio trocar informações, ou contar novidades do dia a dia da terra.
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