terça-feira, 26 de outubro de 2010

Como e porque razão foi fundado o G.R.T.

Filosofando sobre culturas ancestrais
II

COMO E PORQUE RAZÃO FOI FUNDADO O G.R.T.

Foi em 1928, no dia 1 de Agosto que se fundou o Grupo Recreativo de Torcena, na freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, facto tão banal, que a grande maioria das pessoas que hoje habita em Tercena desconhece por completo.
Um grupo de amigos pensou na criação de um espaço aberto a toda a gente, incentivar uma biblioteca, fazer festas de beneficência, estabelecer aulas de música, cultura geral e principalmente promover o teatro.
Era também intenção da nova colectividade, organizar uma filarmónica, promover conferências, palestras e leituras de interesse e inclusivamente publicar um boletim, que passasse a ser órgão do grupo.
Inserido num meio rural, onde a maioria dos habitantes era analfabeta, a criação desse espaço cultural e recreativo, abria amplas portas às carências verificadas no lugar, nesse campo e hoje essas tão boas intenções, acabaram por não ser preservadas, porque esses históricos, heróis do passado, acabaram por morrer e muitos não conseguiram transmitir esses feitos aos seus sucessores, pelas mesmíssimas razões, falta de cultura, entenderem serem destituídas de qualquer interesse e afinal, tratar-se de factos de mero valor, em relação a tudo quanto se faz nos nossos dias.
O Grupo não tinha sede e depois de ter iniciado as suas primeiras festas no pátio do Guizo, nome de um antigo morador tercenense, situado ao cimo da Avenida de Santo António de Torcena, quase ao lado do velho casal saloio, do Conde da Azarujinha, mais tarde transformado em mercado provisório, o Grupo teve aí o grande arranque, cujos bailes ao ar livre, deram motivo a uma congregação de esforços e ideias e fazer com que o grande empreendimento arrancasse definitivamente.
Mas a falta de uma sede, constituía o grande empecilho de momento, pois chegava o inverno, toda a euforia vivida no Verão pela carolice de muitos chefiada pela velha Estefânia Antunes mulher do Tapiço, perdia-se e o entusiasmo que antes se criara, levava os inúmeros carolas a esmorecer.
As reuniões eram feitas junto ao chafariz da terra, pois ali sentados conversavam e traçavam os seus planos, quais sonhos difíceis de concretizar, muitas vezes interpelados pelo mulherio que lavava as suas roupas ali mesmo e também elas estavam interessadíssimas que o projecto fosse por diante.
Muitas contrariedades surgiam, muitas dúvidas, mas a verdade é que a grande vontade superava tudo isso e o desânimo que por vezes aparecia naquele punhado de jovens, logo se dissipava e o moral crescia avançando com as suas ideias, factos que o popular historiador Fernando Silva, conseguiu recolher a seu pai que era um desses fundadores e por isso, essas importantes histórias ocorridas em finais dos anos vinte, terem sido preservadas até aos dias de hoje.
De qualquer forma o projecto desse grupo de rapazes interessados no virar da página daquele monótono lugar, mantinha-se aceso no cérebro dos mais activos, dos mais dinâmicos e logo apareceu a ideia de se organizarem na velha Capela de Santo António, templo dado ao abandono, em completa degradação, onde o velho Efigénio e a Aurora apenas tomavam conta, pois viviam numas modestas casinhas ao lado, já que a igreja tinha sido atacada por gentes desconhecidas logo a seguir à I Guerra Mundial e roubada parte da sua grande riqueza patrimonial.
O seu principal e valioso atractivo, a colecção de azulejos representando algumas parábolas e milagres de Santo António, tinham em parte, sido levadas e urgia preservar, por vontade expressa do povo da terra, o que desse tesouro restava ainda.
O facto do imóvel se encontrar em mau estado não constituiu qualquer problema para quem tanta força de vontade possuía, mas sem a autorização para o ocupar, é que nada se podia fazer, portanto constituía o grande quebra cabeças, o grande obstáculo para toda aquela boa gente que apesar de tudo, também pretendia defendê-lo a todo o custo, de possíveis outros saques.
Mas não havia nada que não se resolvesse e demais existindo a força e união entre as pessoas e então eis que um grupo de amigos se deslocou ao Governo Civil de Lisboa e aí conseguiu obter a tão desejada resposta, contactar o Patriarcado de Lisboa, só ele poderia resolver os seus desejos, o aluguer da igreja mediante o pagamento de uma renda de cinquenta escudos por mês, que lhe fora exigida, que de início era considerada uma importância grande para aquela época.
Os ânimos floriram, os braços e cérebros dos briosos jovens foram desafiados e logo todos, mais uma vez unidos, começaram uma obra rápida de restauro das velhas instalações religiosas, para pôr em prática, no local onde a missa já há muito tinha sido posta de parte, uma nova actividade recreativa e cultural.
Sem dúvida que foi “ouro sobre azul” que apareceu em Torcena e com ele surgiu a grande glória de conceber-se uma casa que pertencesse a todos os tercenenses, sobretudo onde reinasse a ideia de se confrontarem com o Grémio Escolar de Torcena, colectividade onde reinava um ambiente de verdadeiro snobismo, existente no bairro da Estação e que era frequentado pelos senhores de posição da terra e onde nem toda a gente do lugar tinha o devido acesso.
A colectividade agora instalada na Capela, por seu lado também não era bem vista pelos directores do Grémio e demais por estar adaptada dentro de um “templo sagrado”, embora comprovadamente desactivado há muitos anos e sem nunca ter encontrado gente capaz e com força anímica de o por em funcionamento.
Esse facto originou alguma polémica entre as duas colectividades e criou também uma certa distanciação de classes, só que o Grupo Recreativo de Torcena, depressa conseguiu angariar a necessária simpatia de povo menos abastado e numa conjugação de esforços, toda a gente se propunha levá-lo o mais longe possível.
Dividido o espaço que dispunha a Capela, logo se deu ao altar o lugar para se instalar no palco, seguindo-se a sala e nos anexos, os gabinetes da direcção, comissões e também o bufete, um dos grandes sustentáculos da colectividade.
Aliás, ainda hoje são os bares, o grande suporte financeiro da maioria dos clubes desportivos e recreativos do nosso país, pese embora hajam actualmente subsídios governamentais e camarários que visam preservar esses espaços valiosos, que lutam desesperadamente com manifestas dificuldades e de toda a espécie, sendo a falta de directores habilitados, a maior carência.
Fernando Silva escutou tudo isto, não só a seu pai, como a seus avós paternos, já possuidores destas narrativas escutadas aos seus bisavós, Tapiço e Estefânia, grandes animadores da cultura popular, antes da fundação do grupo.
Em Janeiro de 1929 a colectividade reuniu a primeira Assembleia Geral Extraordinária do Grupo Recreativo de Torcena, que aprovou os seus estatutos e a mesa era constituída pelo presidente Domingos Guedes da Silva, 1º Secretário Duarte da Silva e 2º Secretário, Artur Braga da Silva.
A partir desse dia a colectividade estava oficializada e fazia calar as importantes gentes do Bairro da Estação, pois aquele documento aprovado era a “régie” da nova sociedade, muito embora houvesse os estatutos internos em que se baseava todo o trabalho e regimento das direcções de todos os corpos gerentes e respectivas comissões de apoio.
De princípio, o Grupo conseguiu angariar cinquenta associados que pagavam dois escudos por mês que, mesmo assim, chegado ao seu termo, se via aflito para apagar o aluguer da sede, contudo o bar, as festas e tantas outras iniciativas, faziam com que o saldo fosse sempre positivo.
As comissões começaram a formar-se e de repente o teatro, a música, as organizações recreativas apareceram em catadupa, galvanizando cada vez mais os habitantes de Torcena que trabalhavam com afinco e sobretudo com muito amor para a sua colectividade.
Estefânia Antunes, Américo de Carvalho, Libertário da Silva Freire, Filinto Silva, Duarte Silva, Domingos Guedes, Artur Braga da Silva e tantos outros, foram nomes que muito se distinguiram no seio daquela casa que de princípio bem tiveram a percepção de que viviam num local que não era o seu e era urgente conseguir o seu património, para então poderem dar largas à sua euforia, ás suas verdadeiras pretensões, aos seus reais quereres.
A construção de uma sede própria e devolver a capela aos cristãos, era tarefa urgente, por forma a que eles, motivados por aquela inesperada e ordeira ocupação, restabelecessem o mais rapidamente possível o culto na localidade, também muito necessário e desejado pela maioria da população.
Esta tomada de atitude e esta conquista, era a real prova de que o povo de Torcena estava interessado no virar da página, aumentar o seu grau cultural, dotar as pessoas com novos conhecimentos e essa ideia forte, aparecia através da criação de estruturas sólidas, como acabaram por ser a música, o teatro, a biblioteca e tantas outras actividades, e por muito incrível e estranho que pareça, dentro de uma igreja abandonada que, em seu devido tempo e respeito, fora devolvida a quem, por gentileza, por razões altamente justificadas, a conservação de um imóvel classificado em risco de degradação total, lhes fora alugado.
E a nova sede aparecia dez anos depois, e tal qual como fora o seu prometimento, o templo dedicado a Santo António fora entregue ao Patriarcado, ainda em melhores condições de como fora recebido, mas a ideia, a essência, a grande razão com que fora o projecto estabelecido, estava cumprida e fortemente solidificada, a criação de meios que pudessem dotar o povo da terra com mais acesso à cultura e com isto retirar do analfabetismo, tantas pessoas, quantas aquelas assim pretendessem.
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